Bitita Feliz - ou Uma Carta para Carolina
- Clube Negrita
- 1 de mar. de 2022
- 2 min de leitura
Atualizado: 26 de mar. de 2022
Sonhar com o futuro, contando aos mortos os desejos do nosso coração, para fazer valer todas as nossas promessas.
Quando penso em você, Bitita, penso em mim. Vejo seus olhos no espelho, e quero te fazer sorrir, leve e para sempre. Sem precisar catar papel, virar pedinte, depender de parentes que são piores que inimigos, ou ser andarilha. Quero te dar muitos vestidos, te colocar em um curso, te ajudar a escolher uma profissão, aquela que você quiser. Quero que você estude outras línguas, para ver muitos filmes e ler muitos livros estrangeiros. Quero te levar ao médico e te providenciar repouso, para que você cure suas feridas e possa dormir tranquila.

Não, não dá para virar homem, muito menos ficar branca. O que nós podemos é sermos nós mesmas , Bitita, eu e você. Eu, você e a Tituba de Marise Condé. Nós e tantas outras pretinhas.
Quero que sua juventude seja cheia de novas e boas descobertas. Que você tenha um primeiro amor e tire notas altas na escola. Que você passe as tardes com suas amigas e os domingos com as mulheres da sua família, todas saudáveis e fortes, sem a marca da escravidão.

Nosso vovô, o Sócrates Africano, nos contará muitas histórias do seu povo, nos ensinará a ler e a contar, e ele será o exemplo para os homens e mulheres da nossa comunidade. Um preto elegante, digno e virtuoso.
E quando você estiver pronta, faremos uma festa de despedida, você vai viver e estudar em São Paulo, construir o seu destino, usar belos sapatos, fazer muitas amizades.
Eu não vou deixar você limpar a casa de nenhuma senhora branca. Você só vai cuidar dos filhos que forem seus. Não precisará pedir favores, revirar o lixo, cozinhar osso. Bitita, eu te garanto, teremos um Brasil para nós. No dia do seu aniversário eu vou passar na sua casa, vamos jantar num restaurante e passear. Vamos paquerar, rir e voltaremos seguras para nossas rotinas.
Se for para ser, você terá uma família completa, numa casa completa, com uma sala de visitas e outra sala só para os seus livros, para você escrever e ler, num sofá bem gostosinho.
Bitita você será uma excelente e feliz mulher, da pele cor da noite, com olhos de estrelas, cabelos de nuvens e sorriso de lua. E eu estarei ao seu lado e no seu espelho, como sua amiga, sua igual.
Carolina, eu te amo, Carolina mãe, Carolina ancestral.

Carta inspirada nas leituras dos livros “Quarto de despejo - diário de uma favelada” e “Diário de Bitita”, ambos da escritora Carolina Maria de Jesus.
Imagens feitas em visita à exposição "Carolina Maria de Jesus: Um Brasil para os brasileiros", no Instituto Moreira Salles (IMS).
Bruna Tamires









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